segunda-feira, 17 de março de 2008

sobre como ele pensa que é...

Um menino, de pés descalços, sentado à beira do rio, coloca na água uma folha seca e adormece olhando o vazio.
Em seus sonhos, navega além-mar, comandando um grande navio.
Enfrenta as águas revoltas, às vezes, as calmarias e vai assim aprendendo que todas as fantasias têm contraponto na chuva, no vento e na poesia.
Chegando em terras longínquas, espanta-se com prodígios:dragões que cuspiam fogo, mendigos de mãos vazias que apesar do frio e da fome, ainda sorriam.
Seus olhinhos assustados não podiam crer no que viam: mulheres barbadas, anões, prostitutas, bugios, em danças burlescas, mentiam que eram felizes em meio àquela orgia.
Montou um cavalo alado e fugiu apavorado, pois nada daquilo era compreensível para um simples menino de beira de rio.
Doíam seus pés descalços, pisando as folhas secas espalhadas no caminho.
Dormiu ao relento, sob estrelas de néon, comeu o pão que o diabo amassou, chorou de medo, colecionou conchinhas, falou com desconhecidos que cuspiram sobre ele “verdades e sabedorias”. Confuso, seguiu seu caminho.
Fez e perdeu amigos, cantou e vestiu fantasias, berrou em prol de anistia, tentou entender de música, dançou no meio da praça, agarrado a uma vadia, provou do Bem e do Mal, só pra ver se entendia.
Parou na frente da igreja e ouviu uma ladainha, mas o Deus não se fez visível e ele se foi, então, em busca de novo destino.
Muitos anos se passaram nesse passeio onírico, muitos em pesadelos horríveis, outros, um pouco mais pacíficos e mesmo assim ele não desistia.
Amou, foi e não foi amado, enlouqueceu de alegria, curou-se com água fria.

Um homem, de largas sandálias, caminha pelas ruas do Rio. Varrendo as folhas secas para debaixo do tapete, falando poesia...
O som do sino da igreja lembra o Deus não revelado e ele pisa as conchinhas espalhadas na areia. Do cavalo alado, restaram as rédeas, vazias.
Onde deixou seu navio?
Quando o vento sopra, ele muda e cria seus personagens que dançam danças burlescas, cavalga amores fantasmas, apaixona-se por si mesmo e ri de tanto chorar.
Procura quem se disponha a segui-lo sem sapatos, no longo caminho de volta dessa sua alma vadia ao ponto na beira do rio que liberte sua inocente poesia escrita em folhas verdes brotadas ao som de sinos, alguém que o cubra de beijos até que abra as asas e pegue de volta o caminho de sua sina e desperte na beira do rio.
Só pra entender que é divino, que brilha em todas as cores, que o que existe é o que ele cria em seus acessos de fúria quando apenas faz o que acha que deve, limitando-se ao que pensa que pode, chorando sem fantasia, nu, no meio da praça.
A inocência talvez ainda seja o seu maior pecado.

sobre "Uma rasteira do amor"

Armadilhas armam-nas a Mente,
que nos confunde e escraviza
na teia de ilusões em que nos envolve.
Coração é guardião de nossos sentimentos legítimos,
e neles está a nossa Verdade.
Sentimentos pulsam involuntariamente:
sístole, diástole...
bem-me-quer, mal-me-quer...
quero, devo..
desejo, desdenho...
vítima, algoz.
O Amor verdadeiro confere coragem e é convicto:
por ele desnudam-se o corpo e a alma
e mergulha-se até o fundo do abismo sem medo do perigo.
O que importam a solidão, o frio, o silêncio,
quando busco o meu bem-amado?
Ao inferno desceria, sem pestanejar, se lá ele estivesse.
Não choro por amor – choro por covardia.
Não choro pelo que não consegui – choro pelo que não tentei.
Não construo castelos, porque são frágeis – cavo poços,
de onde brote água limpa para me aplacar a sede da Verdade.
Sentimentos são potentes – nem todos os objetos deles são confiáveis...
Ao beija-flor, não importa que roubem suas flores
– basta que lhe poupem o bico.
O mundo é um vasto jardim cheio de flores
e o beija-flor inteligente poupa-se das que têm espinhos...
Lembre-se, meu amigo: se o galho quebra
ou é porque o macaco está muito gordo
ou porque pensa que é uma borboleta...
em ambos os casos, a responsabilidade e a ilusão
são dele.
Se queres preservar teu coração do sofrimento
não o deixa exposto, à beira do rio, ao alcance de qualquer um..
E, quando tiveres coragem,
pergunta-te o que realmente queres de ti mesmo
e busca dentro dele a tua resposta mais sincera.
Só que, então, não te iludirás mais,
E não mais poderás esconder-t ede ti mesmo
sob as asas da emoção..
porque a Mente mente, mas o Coração, não!.

Sobre GOSTAR

Serias capaz de jurar que acreditas mesmo que assim seria?
Desculpa-me se te questiono de forma tão direta,
mas juro-te, meu amor: não creio.
A ilusão da posse é o maior de todos os desafios
que a alma humana enfrenta diante de si mesma
na busca incessante do fim de suas dores mais intensas.
Gostar é um sentimento morno,
`a conveniência de quem não se arrisca...
O prazer se dá ao transbordar na pele o suor dos bailarinos,
no choro causado pela não reciprocidade de nossos sentimentos,
na espera interminável do gesto de amor que nunca é esboçado,
nos rituais dolorosos de ânsias não cumpridas,
na exaustão contundente dos corpos saciados.
O espetáculo dos arcos-íris conecta teu carinho ao peito do ser amado,
mas, assim como na estória, o pote de ouro jamais será encontrado...
pois diante da inconstância do vento, nada é definitivo:
ele sobrevive do movimento, do ir e vir entre os desejos,
da dança brejeira de suas inúmeras facetas,
por puro deleite, por mero capricho.
No mais, tudo é tédio e melancolia...
Quando o sol derramar sob seus raios tuas frágeis emoções,
sentirás o ardor na pele e apressar-te-ás em lamber tuas feridas
e maldirás o sol que te atormenta roubando-te as doces delícias
que desenhas no ar, com frases tão floridas,
mas que não ousas tatuar no corpo, escancaradas, à vista...
Teus sentimentos nunca terão retorno
pois brotam de ti e seguem em via de mão única.
E assim, nesse roteiro, meu amor, te digo:
nunca chegarás à esperada festa.