Um menino, de pés descalços, sentado à beira do rio, coloca na água uma folha seca e adormece olhando o vazio.
Em seus sonhos, navega além-mar, comandando um grande navio.
Enfrenta as águas revoltas, às vezes, as calmarias e vai assim aprendendo que todas as fantasias têm contraponto na chuva, no vento e na poesia.
Chegando em terras longínquas, espanta-se com prodígios:dragões que cuspiam fogo, mendigos de mãos vazias que apesar do frio e da fome, ainda sorriam.
Seus olhinhos assustados não podiam crer no que viam: mulheres barbadas, anões, prostitutas, bugios, em danças burlescas, mentiam que eram felizes em meio àquela orgia.
Montou um cavalo alado e fugiu apavorado, pois nada daquilo era compreensível para um simples menino de beira de rio.
Doíam seus pés descalços, pisando as folhas secas espalhadas no caminho.
Dormiu ao relento, sob estrelas de néon, comeu o pão que o diabo amassou, chorou de medo, colecionou conchinhas, falou com desconhecidos que cuspiram sobre ele “verdades e sabedorias”. Confuso, seguiu seu caminho.
Fez e perdeu amigos, cantou e vestiu fantasias, berrou em prol de anistia, tentou entender de música, dançou no meio da praça, agarrado a uma vadia, provou do Bem e do Mal, só pra ver se entendia.
Parou na frente da igreja e ouviu uma ladainha, mas o Deus não se fez visível e ele se foi, então, em busca de novo destino.
Muitos anos se passaram nesse passeio onírico, muitos em pesadelos horríveis, outros, um pouco mais pacíficos e mesmo assim ele não desistia.
Amou, foi e não foi amado, enlouqueceu de alegria, curou-se com água fria.
Um homem, de largas sandálias, caminha pelas ruas do Rio. Varrendo as folhas secas para debaixo do tapete, falando poesia...
O som do sino da igreja lembra o Deus não revelado e ele pisa as conchinhas espalhadas na areia. Do cavalo alado, restaram as rédeas, vazias.
Onde deixou seu navio?
Quando o vento sopra, ele muda e cria seus personagens que dançam danças burlescas, cavalga amores fantasmas, apaixona-se por si mesmo e ri de tanto chorar.
Procura quem se disponha a segui-lo sem sapatos, no longo caminho de volta dessa sua alma vadia ao ponto na beira do rio que liberte sua inocente poesia escrita em folhas verdes brotadas ao som de sinos, alguém que o cubra de beijos até que abra as asas e pegue de volta o caminho de sua sina e desperte na beira do rio.
Só pra entender que é divino, que brilha em todas as cores, que o que existe é o que ele cria em seus acessos de fúria quando apenas faz o que acha que deve, limitando-se ao que pensa que pode, chorando sem fantasia, nu, no meio da praça.
A inocência talvez ainda seja o seu maior pecado.
segunda-feira, 17 de março de 2008
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